Retrato do auto-centrado

Vai no seu popó, no quentinho enquanto chove lá fora. Os vidros vão embaciados por causa do aquecimento, mas vai carregando no botão do ar condicionado que lhe desembacia os vidros mal e porcamente enquanto escolhe um preset do radio e equaliza os baixos e o treble.
Mal vê o ciclista que vai com luzes a piscar e com impermeável cor-de-laranja fluorescente. Mesmo com o autocarro parado na paragem a 50 metros de distância não cede a passagem, mas aproveita para olhar de alto a baixo o ser que se põe a pedalar com esta múinha como um boi olha para um palácio.
A via que é uma avenida está cheia de carros parados em todo o lado, o passeio não se lhes escapa e agora estes 50 que ocupam o espaço de 2 carros pararam à sua frente. Tenta ultrapassar mas já outros tiveram a mesma ideia. É obrigado a parar e embaraça ainda mais o débil trânsito. O autocarro entretanto avançou. Tenta a mesma proeza no cruzamento seguinte mas o autocarro malandro virou para a esquerda. Travagem brusca que demonstra desconhecimento total da carreira, tal o tempo que não anda daquelas coisas. Quando era jovem e pobre!
Entretanto passou por 3 passadeiras. Em duas encharcou os peões e em nenhuma deixou passar quem tinha que usar galochas, gabardinas e chapéus de chuva. Não usava gabardinas desde o seu antigo Kispo. Quando era jovem claro está. Como os que estavam a tentar passar na passadeira com mochilas às costas.
Mais à frente pára. Em segunda fila e com 4 piscas. Ali, perto do café preferido, a 500 metros de casa num pequeno desvio para o trabalho não estacionava faz tempo. Talvez desde jovem. Abre a porta e saca do chapéu de chuva. O tal ciclista do poncho laranja faz-lhe uma razia. Bolas que importúnio, molhou as meias. Já no quentinho do café lembra-se que não levava uma daquelas molhas...prái desde que andava na rua...

3 comentários:

um homem na aldeia disse...

Quando vou sentado no selim e passo por certo tipo de condutor, ou eles passam por mim, com os seus semblantes carregados, mudos, frios sinto como que pena por eles. Por tudo o que perdem da vida, só porque querem...

João Taborda disse...

muito bom ;)

Gonças disse...

@homem da aldeia Coitados, sentir pena é mesmo o termo mais adequado!

@João Sigo o teu Tabordaonwheels faz tempo. Aprecio o teu espírito livre. Um grande abraço